As aventuras de Jacque

Em entrevista, Jacqueline Aguiar descreve sua trajetória como mulher e mãe

Nicoli Silveira
7 min readDec 3, 2020
Jacqueline Aguiar em frente à sua casa (Foto: Arquivo pessoal/ Eduarda Aguiar Sholze)

Guerreira, intensa e amorosa são adjetivos que Pauline Aguiar Scholze de 26 anos e Eduarda Aguiar Scholze de 20 anos atribuem à sua mãe, Jacqueline Aguiar, de 57 anos. A aventuresca trajetória de Jacque, apelido pelo qual é conhecida, foi marcada por muitas alegrias e grandes desafios, que definiram a mulher que ela se tornou.

Hoje, mãe de duas filhas, Jacque não soube muito bem como relatar tantos anos de experiências em uma ligação de telefone. Apesar disso, ela concordou em contar um pouco de sua história. Ao longo da conversa, sua mãe ao fundo acrescentava e confirmava alguns fatos.

Garota amorosa e rebelde

Foi em Novo Hamburgo (RS) que Jacqueline passou sua infância, juventude e o começo da vida adulta. Seu passado pueril lhe traz doces memórias de brincadeiras com seus dois primos, que moravam perto de sua casa. “Brincávamos de esconde, de pega-pega, com os cachorros, no mato. Eu era bem moleca, gostava mais de brincar com os meninos do que as meninas, mas eu era muito feliz”.

Aos cinco anos, ganhou uma cachorra, que permaneceu na família por muitos anos. Porém, morreu ao ser envenenada, pois era um animal muito temperamental. Essa foi uma das poucas lembranças tristes que Jacque mencionou. “Eu cresci com ela, sempre nos acompanhou. Chorei muito quando ela morreu”.

A ingenuidade de criança seguiu até o momento em que teve vontade de acompanhar sua irmã Raquel, que é dois anos mais velha, na antiga Boate Atirador, em Novo Hamburgo. Jacque implorava para que o pai a deixasse ir junto com Raquel. De início, ele não deu permissão de jeito nenhum, alegando que ela ainda era muito nova. Mas, depois de muita insistência, acabou cedendo.

Jacque, assim como qualquer outro adolescente, fez algumas coisas que desagradou seus pais. Uma delas foi começar a fumar escondido na escola, aos 13 anos, onde, de vez em quando, era pega. “Meu pai fumava, então eu roubava os cigarros dele e fumava escondido no banheiro do colégio”. Esse relato fez sua filha mais nova, Eduarda, rir ao fundo do telefonema.

Outra transgressão que Jacqueline cometeu na escola era falsificar a assinatura da mãe para entrar nas aulas sem uniforme ou para chegar atrasada. Outra narrativa, contada entre risadas de Jacque, sua filha e sua mãe. “Fiz várias falcatruas”.

Ela e a irmã deixaram todos preocupados quando foram, juntamente com um grupo de amigos, até o colégio Liberato, de kombi, onde passaram a noite sem avisar ninguém. “Tomei um porre de vinho na sexta-feira santa e fui junto com a turma e amanhecemos lá. Mas, não teve nada de sexo, era tudo amizade mesmo”.

O bar Opinião também estava em sua rota de festas. Jacque morou um tempo [RVB1] em Porto Alegre na R. José do Patrocínio. “Morava na rua da festa, bem no agito. O Opinião era um bar dançante, assim como outros lugares também”.

Sua trajetória poderia ser interpretada como de uma garota rebelde. Porém, para que essa análise seja correta, ela teria que ter se rebelado contra algo, o que não aconteceu. Apesar de tudo, seus pais não eram rígidos, também sempre foram muito “festeiros”, como disse ela.

Muitos amores, muitos problemas

Nessa mesma época, também conheceu seu primeiro namorado, Jaime Alano, mais conhecido como Lano, na mesma boate em que frequentava. O encontro foi em uma sexta à noite. Depois, o rapaz começou a aparecer na casa da família, sendo tudo acobertado pela mãe.

Primeiramente, o seu pai ficou indignado. Entretanto, como aconteceu com o desejo de Jacqueline em relação à boate, ele acabou permitindo o namoro. Segundo ela, Lano ficou amigo da família. “Conheço a irmã dele até hoje, nos vimos de novo. A família dele é minha amiga ainda”.

Depois de um ano e alguns meses, o namoro chegou ao fim. Por serem muito novos, os dois não viam sentido em manter a relação. “Éramos muito jovens, não queríamos ficar ‘presos’ a um relacionamento nessa idade. Acabou acontecendo”. Apesar do rompimento consensual, Jacqueline sentiu bastante aquele término. Na verdade, esse era um mal dela, sofrer por amor.

O que também aconteceu em seu próximo relacionamento sério, sendo ele mais conturbado que o anterior. Ela começou a sair com um baterista de uma banda de rock local. Depois de frequentar alguns ensaios acabou se envolvendo com outro integrante, o guitarrista chamado Nadal.

Durante quatro anos, o casal se manteve junto, morando em Porto Alegre. Nadal tinha medo de ter outros filhos, pois em seu primeiro casamento, seu filho nasceu com a Síndrome de Down. “Ele era bem novinho, eu cheguei a conhecê-lo. Daniel era seu nome”, contou Jacqueline.

Essa questão do guitarrista poderia ser prejudicial a ela, pois o maior sonho da sua vida era ser mãe. Jacqueline sempre soube que tinha o dom; aos 17 anos ela se mudou para uma casa de família, trabalhando como babá e sentia que levava jeito com crianças. “Eu nunca tive muitos planos para o meu futuro, profissional principalmente. Sempre tive vontade de ser mãe. Esse era o meu sonho e realizei com as gurias”.

A incompatibilidade nos planos para o futuro não foi o único dilema dos dois. Naldo era um homem extremamente ciumento e, na sua cabeça, Jacque lhe “pertencia”. Ele não deixava que ela fosse em festas ou que saísse com suas amigas. Apenas as apresentações da banda do guitarrista eram permitidas a ela.

Em um dia, durante o carnaval, sua irmã Raquel a convidou para ir em um bar, próximo à sua casa. “Eu pensei ‘qual o problema, vou ali e ele nem vai saber’”. Junto da irmã estavam mais dois rapazes, o seu namorado Breno e outro homem que Jacqueline nem lembra mais qual era seu nome.

O grupo decidiu que, depois do bar, eles iriam a um ensaio de uma escola de samba. Jacque ficou apreensiva, por conta do namorado. Porém, como ela estava de carona com os demais, não pode recusar.

Quando chegou em casa, por volta das quatro horas da madrugada, Naldo estava acordado, esperando. Sua primeira reação, foi dar um tapa na cara de Jacque. Depois, enquanto jogava todas as suas roupas ao chão, enchia seus ouvidos dos mais baixos xingamentos. “Eu queria mentir para ele, que não tinha saído. Tentei argumentar que estava na minha tia, pois ela morava perto de nós”.

Mesmo depois da tentativa de Jacque de acalmá-lo, o guitarrista acabou com a relação. Ao amanhecer, Jacqueline de fato foi para a tia, mas aos prantos. “Minha tia disse ‘eu confirmo que você estava aqui, que estávamos jogando canastra’, ela ia mentir por mim”.

Depois do ocorrido com o namorado, Jacque decidiu que passaria o domingo com a família materna, em Lomba Grande. Ao relatar tudo o que havia acontecido com Naldo à sua mãe, Jacqueline expressou sua vontade de reatar com ele.

Ao ouvir isso, sua mãe lhe fez uma revelação acerca da conduta do guitarrista em seus shows. “Meu pai também era músico e, de vez em quando, tocava na mesma banda que o Naldo. Ele disse para ela que viu ele saindo com uma das cantoras. A banda tinha um ônibus, mas ele ia de moto para sair com ela”.

Naldo tinha a plena consciência que seus pais sabiam de tudo e não se importou. Os dois haviam decidido não contar nada para Jacque, mas voltaram atrás ao ouvirem o que a filha tinha passado. Sua mãe foi bem enfática ao dizer que ela não cometeu nenhuma traição, ao contrário dele. “Foi aí que eu percebi que quem não queria mais nada, agora, era eu”.

Por consequência de sua decisão, Naldo tentou reatar o namoro. Ela saiu de casa, foi morar com a irmã, mas mesmo dizendo não, ele insistiu para que voltasse para ele. “Eu tinha o meu emprego, era estável e me sustentava. Mas, ele continuou a me procurar”. Eles até saíram algumas vezes, mas a relação não persistiu.

Mesmo de coração partido, a solteirice não foi um estado no qual Jacqueline se manteve por muito tempo. O namorado de Raquel tinha um amigo, Paulo, a quem ele tinha uma enorme estima. Por conta dessa conexão, Jacqueline já o conhecia há vários anos. “Começamos a sair algumas vezes. Então, acabamos ficando juntos”.

O sonho se torna realidade

A relação foi evoluindo, até que resolveram se mudar. Depois de um ano de casados, Jacque ficou grávida pela primeira vez. Pauline nasceu no dia 01 de julho de 1993. No batizado da filha, Jacqueline e Paulo resolveram também realizar a cerimônia de casamento, ao mesmo tempo.

Ser mãe não a atrapalhou sua vida aventureira, como ela gostava. Na própria lua de mel, ela e o marido foram de ônibus a São Paulo. Jacque já estava grávida. “Saímos bastante, depois que a Pauline nasceu minha mãe ficava com ela. Uma vez, nós fomos para a Argentina ver o show dos Rolling Stones”.

Por seis anos, a família morou em um apartamento no centro de Novo Hamburgo. Por causa do emprego de Paulo, eles acabaram se mudando para Dois Irmãos, onde Jacque engravidou de sua segunda filha, Eduarda, que nasceu no dia 01 de dezembro de 1999.

Quando se encerra um ciclo, outro começa

Paulo foi demitido. Por isso, voltaram a morar em Novo Hamburgo e abriram uma pastelaria, para se manterem. “Passamos por dificuldades, morávamos muito bem em Dois Irmãos, eu nem precisava trabalhar, até queria, mas não trabalhava naquela época”.

O casamento de Jacque e Paulo chegou ao fim quando Eduarda completou seis anos. Após o divórcio, ela e suas duas filhas mudaram-se para Gravataí, cidade onde toda a sua família já estava morando há um tempo. “Eu vim para essa casa aqui, que moramos hoje”. Mesmo separados, os dois ainda mantém uma boa relação.

Jacque trabalha como recepcionista em uma clínica médica, que pertence a um tio, e suas filhas já estão adultas. Morou em tantos lugares, mas permaneceu em Gravataí. “É como a música Pais e Filhos do Legião Urbana, ‘já morei em tanta casa que nem me lembro mais’”.

Sem dúvida, Jacqueline passou por altos e baixos. Canceriana, sempre muito emotiva, ainda assim, não faz o tipo triste. Dança, bebe e se diverte. Seu amor pela vida contagia e sua alegria consegue derreter qualquer coração. Porém, toda a sua devoção sempre será voltada para os seus “sonhos realizados”, suas filhas.

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Nicoli Silveira

Estudante de Jornalismo, feminista e apaixonada por escrever